terça-feira, 8 de dezembro de 2015

A troca


Tudo começou a dar errado.
A pauta estava marcada para as 16:30h no Sesc Belenzinho (também conhecido como Sesc Longinho).
Se a pauta está marcada para as 16:30h, eu gosto de chegar antes. Não só pela boa educação. Gosto de chegar antes e até torço para o fotografado chegar um POUQUINHO atrasado. Chegar antes ou esperar alguém sempre me dá uma carta na manga na hora de negociar mais tempo para aquela foto.
Marcar um pauta nesse horário no trânsito caótico de São Paulo é pedir pra chegar atrasado ainda mais no dia a dia de um jornal onde você tem fazer uma pauta depois da outra num ritmo frenético.
Eu só estava uma meia hora atrasada quando o telefone tocou. Era a assessora de imprensa, com uma voz muito educada que guardava um leve desespero; "você tá vindo?" a resposta saiu pronto: Claro, to pertinho, to chegando.
Mentira.
Eu não tinha ideia de onde eu estava, mal conhecia São Paulo. No carro lendo a pauta já imaginei o desespero da assessora afinal a fotografada era Marina Abramovic.
Abramovic é uma artista visual sérvia (súper descolada) que suas performances já arrastaram multidões do MoMa ao Sesc Pompéia. A foto iria ilustrar um entrevista que ela daria para a Folha antes mesmo de trazer a exposição que fez sucesso no Sesc Pompéia.
Sempre fico tensa quando tenho que fotografar algum fotógrafo ou artista, sempre me sinto súper intimidada. e o fato de chegar atrasada me intimidava ainda mais. Já via aquela legião de assessores (pessoas "famosas" sempre trazem consigo assessores, assitentes, puxa sacos e etc)  enfurecidos em cima de mim na hora da foto.
Que merda. Era só a chance de pegar um retrato legal pra fazer e eu ia chegar atrasada. Paciência. Pelo menos o local escolhido pela foto era um Sesc algo interessante ali dava pra fazer.
Doce engano.
Quando cheguei, já com uma hora de atraso, o lugar da foto era o Sesc, mas a sede administrativa do Sesc.
Em resumo; um lugar sem cor, sem graça onde tudo era cinza e cheirava a escritório burocrático.
Peguei o elevador com a mochila, sempre pesada, e levando tripé, sombrinha e etc. Pelo menos preparada eu estava.
De longe vi a rodinha de assessores, assistentes e puxa sacos e Marina toda de preto ali no meio.
Nem precisava conhecer  rosto dela pra saber que ela era "a artista"era algo como a Vandinha da família adams já velha com um belo nariz.
A assessora logo veio à minha direção  relembrando o quanto eu estava atrasada e que a foto teria que ser feita ali.
Logo avistei uma parece de madeira que daria pelo menos um fundo neutro ao retrato.
Cumprimentei Maria e pedi desculpas pelo atraso e explicando onde o retrato iria ser feito e pedi alguns minutos para que eu arrumasse o equipamento.
Ela consentiu. Já com tudo pronto pedi que ela se sentasse na cadeira a frente da parece de madeira.
Ela disse; Eu gostei. Você chegou e você sabe o que você quer. E aqui é um bom lugar para um foto.
Antes de você um outro fotógrafo fez uma foto que eu tenho certeza que não ficou boa porque a luz onde eu estava não era boa.
Eu vou te ajudar a ter uma foto boa.
Ela sentou, me olhou e eu comecei a fotografar. Não trocamos mas nenhuma palavra.  Só olhares.
Ela me deu foto boas.
Da primeira a ultima foto se passaram 7 minutos.
Foi o suficiente.
Ela me abraçou e disse que era uma troca, que ela só deu o melhor dela porque eu estava disposta a dar o melhor de mim.
A fotografia é troca.









p.s: A foto, pra variar, saiu pequena na edição impressa, aqui o link com a entrevista que saiu no jornal: ( http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2014/01/1399885-fui-criticada-ate-a-morte-diz-marina-abramovic.shtml )